SENDO. Você é a partir do outro. Na relação com o outro.

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Na Psicologia, hoje, quase ninguém duvida disso. A influência que o outro exerce sobre você é discutida nas mais variadas teorias, das mais variadas formas. No cotidiano, vez por outra, percebemos como mudamos, quando nos aproximamos e convivemos mais com alguém. Ou então percebemos como o outro muda, quando passa a conviver mais com outro alguém. Mas afinal o que seria de fato seu? O que seria da singularidade de cada um?

No encontro com as mudanças, o estranhamento é praticamente inevitável. E é comum que reivindiquemos o retorno do que era conhecido para nós. Estaria implicado nesta reivindicação um desejo de consolidação do sujeito de essência? Uma convicção de que você é de um jeito e, assim tem que se manter? Haveria algo em nós que nasceu com a gente, permanece e morrerá com a gente?

Diferentes respostas para estas perguntas marcam diferentes olhares para o ser humano e tem implicação direta nas nossas relações cotidianas e, para algumas pessoas, na prática profissional. Stuart Hall, no livro A Identidade Cultural na Pós-modernidade, construiu um panorama interessante para apresentar como as diferentes visões de ser humano povoaram a história da construção de conhecimento.

Hall fala em três sujeitos. Primeiramente, como resultado da corrida científica, teríamos o sujeito de essência. O ser humano nascia de um jeito e morria do mesmo jeito. Caberia a nós tentar desvelar esse ser humano, para tocar na essência. Reconhecê-la, mas não transformá-la.

Em seguida, Hall fala do sujeito sociológico. Nesse caso, já começa a reconhecer um outro social e um ser humano que se constrói a partir da relação com esse outro. Então, até poderíamos encontrar algo, quando descascamos a cebola, que é esse ser humano. Mas esse é algo é construído socialmente e se transforma, a partir das relações sociais.

Percebam como há uma diferença gritante entre o sujeito de essência e o sujeito sociológico. O primeiro é por nós identificado. Identificamos a essência dele e aprendemos a lidar com ela e com ela. O segundo, é por nós (e por outros “nós”) construído e também transformado.

Mas Hall avança nas discussões e sinaliza que há uma terceira compreensão de sujeito, que ele nomeia como sujeito pós-estruturalista ou, ainda, o não-sujeito. Nesse momento, ele tenta descontruir essa polarização entre o que é social e individual. Haveria um entre, onde os processos sociais se constroem e onde as identidades sociais, de forma fluida, constituem-se.

Hall troca assim a noção de identidade por identidades ou ainda por posicionamentos. Você não é. Você está. Você se posiciona. Mais do que isso. Não só você se posiciona! O outro também posiciona você.

Percebam que, a partir dessa compreensão, não haveria essência e também não haveria individual independente do social. Eu não teria também uma identidade. Teria identidades dinâmicas, contingentes, a partir da síntese entre as formas como me posiciono e como sou posicionada no cotidiano.

A pergunta quem sou eu? ou quem é você? ganha nesse contexto uma resposta que nunca será definitiva. E não é que de tempos em tempos mude não. Às vezes, em uma mesma conversa, a partir das vozes que presentificamos e considerando as formas como nos posicionamos e somos posicionados/as, é possível sermos vários/as.

Uma certa vez, desconfiada dessa fluidez toda, resolvi fazer um teste. Pedi para diferentes pessoas, de diferentes contextos, falarem como me viam, sinalizando as principais características. Foi um exercício muito interessante, sobretudo, quando contrapus o trabalho com, na época, à Universidade, como estudante. No trabalho, era conhecida pela descontração, pelo bom humor, pela leveza. Na Universidade, muito colorida pelas marcas de uma líder estudantil, era conhecida pela chatice, pela rigidez, pelo peso. Mas como, se eu era a mesma pessoa? Era de fato a mesma pessoa? Uma pessoa? Certamente, não.

Para algumas pessoas, esse não-sujeito lembra areia fina e seca, escorrendo pelos dedos. E a agonia de não ser, ou de nada ficar nas mãos, vem de forma avassaladora. Mas penso que é importante agregar à agonia a sensação de libertação. Sim! Se você não é nada, especificamente, talvez também você possa ser qualquer coisa.

Se o/a incomoda ser de forma “x” e você compreende que não há uma essência e nem um social uno, como camisa de força, você pode olhar para o “x” em você, questionar-se (Sempre foi assim? Esse “x” sempre esteve em mim?) e se dispor a fazer e ser diferente (Pode ser diferente? Como faço para ser diferente?).

Há poucas coisas no mundo mais libertadoras do que reconhecer as mais variadas possibilidades de ser, seja para as populações que já vem com as marcas de estereótipos de segregação social, como aquelas pessoas que tem problemas com uso de drogas, seja para aquelas que aparentemente não os tem.  Reconhecer as possibilidades e ser! Sejamos.

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*Você encontra o livro de Stuart Hall em português! Segue a referência completa: HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2005.

imagem: B Tal

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