“Extra, extra, extra o Ministério da Saúde faz anúncio importante!!”

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Ministério da Saúde anuncia que está aberta a temporada de recolhimento dos gordos. Sim! Os gordos não poderão mais circular nas ruas.

Estudos apontam que os gordos trazem muitos prejuízos para o Sistema Único de Saúde. Os gordos adoecem mais. Sofrem mais de hipertensão e diabetes. Sem falar que, psiquicamente, também sofrem mais e, portanto, consomem um quantitativo maior de medicações psicotrópicas.

Há de se considerar também que os gordos ocupam mais espaço. E este é um elemento que causa transtornos, quando consideramos a utilização de espaços coletivos.

Por estes e outros motivos, depois de consultas e discussões com especialistas, o Ministério da Saúde decretou a internação compulsória dos gordos. Todos serão recolhidos e levados para um SPA, onde terão sua alimentação monitorada, bem como serão obrigados a realizar atividades físicas e terapêuticas, durante um período de pelo menos 06 meses.

Neste período, eles terão pouco ou quase nenhum contato com o meio externo, incluindo a sua família. Parte-se do reconhecimento que a família foi responsável pela construção de hábitos alimentares inadequados, causadores de adoecimento. O meio externo também possui vários outros apelos que podem levá-los a recaídas, que comprometam por completo o seu tratamento.

O Ministério promete vigilância, tanto no espaço de tratamento, para que a estratégia terapêutica seja cumprida rigorosamente, quanto nas ruas, para garantir que nenhum gordo esteja nas ruas, comprometendo a paisagem da cidade. Em tempos de Copa do Mundo e projeção internacional, o Brasil caminha para ser reconhecido também como o país da saúde e da moda.

Após o recolhimento dos gordos e a consequente resolução deste problema, já está anunciado que será a vez dos inteligentes demais. Todos serão recolhidos, considerando o adoecimento dos mesmos e o que a presença deles provoca nas pessoas que estão ao redor.

Esta historinha lhe parece absurda?

Gordos demais, magros demais… O “demais” reflete o nosso modelo de saúde que, muitas vezes, é regido pelo “comedimento” –  comedido, com medidas.  Parte-se  da compreensão de que todo excesso é uma risco à saúde, uma vez que desequilibra e o desequilíbrio gera adoecimento. A estratégia então passa a ser, quase que exclusivamente, a contenção de excessos. Mas o que seriam excessos? Quais são os nossos parâmetros?

Quando partimos para discutir os parâmetros, sobretudo nas discussões sobre drogas, encontramos com os valores mais conservadores da nossa sociedade e, facilmente, podemos nos perder em práticas autoritárias que dizem para o outro o que é estar e se sentir saudável. E assim fortalecemos o movimento de adequá-lo, enquadrá-lo aos ditos parâmetros que, talvez, nem sequer eles partilhem.

Esquecemos assim de olhar no olho, de construir relações mais horizontais. Acredito que só a partir desta forma de olhar e de nos relacionarmos poderemos construir práticas transformadoras,  que partam do reconhecimento da subjetividade e se comprometam com a ampliação das possibilidades de ser da pessoa.

A historinha absurda, que inicia este texto foi elaborada a partir de conversas sobre os absurdos da internação compulsória de usuários de drogas. A analogia com gordos foi elaborada por Alda Roberta, profissional de referência neste campo, em tom de brincadeira, ao conversar com um amigo. Ela me autorizou a escrevê-la e, assim, fazer da analogia um instrumento para refletirmos sobre a serviço de quê estão as práticas de saúde que construímos e/ou participamos.

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Um mundo sem drogas?

4 COMENTÁRIOS

  1. Desculpem-me pela sinceridade, mas como profissional da saúde mental, creio que não cabe tal comparação entre usuários de drogas e obesos uma vez que no segundo caso, podemos pensar que embora a obesidade possa acarretar em diversas doenças orgânicas e psicológicas e\ou psiquiátricas, não se trata de uma alteração no nível de consciencia e capacidade de discernimento e tomada de decisão em maior grau, além do vínculo que na maioria das vezes os usuários de drogas (em especial os moradores de rua) tem com a criminalidade, seja por alimentar o tráfico, praticar furtos, roubos ou outros crimes (até ediondos), muitas vezes por estarem incapazes de julgar o que é certo do errado. Desta forma, trata-se de uma questão não apenas individual como a obesidade que acarreta em um maior risco ao obeso, mas sim de um impacto social, podendo acarretar em prejuízos ao próprio indivíduo mas também a terceiros. Concordo que internar e não ter medidas socio-educativas, em especial para as populações de risco e para as crianças e jovens de forma geral. Sendo muitas vezes, mesmo que na sua minoria, a única oportunidade que aquele indivíduo terá para manter-se conscientes de seu estado e poder até tomar posse da sua própria existência, oportunidade esta que as drogas não lhe dá, ao contrário, mantém os mesmos tão o mais presos, alienados e afastados dos seus entes queridos.
    Concordo ainda que esta modalidade de intervenção está realmente fora do ideal, porém creio que este será um meio de avaliarmos quais deverão ser os verdadeiros meios de resolver uma questão tão complicada e que a nossa sociedade cada vez mais se depara com ela.
    Vale a pena mesmo refletir e contribuir!

    • Olá Elaine, não precisa se desculpar. O texto foi escrito por uma profissional experiente de saúde mental como você e objetiva instigar reflexões e opiniões. Agradecemos sua colocação.

  2. Elaine, te preocupa não, é muito fácil ser sincero pela internet. Eu por exemplo, acho sinceramente, que o seu comentário é muito mal fundamentado. Em primeiro lugar, você desconsiderou completamente a licença poética da autora que está propondo, a partir de uma situação imaginária, de uma analogia, uma reflexão sobre as formas de lidar com problemas que nos atingem… acho que faltou um pouco de imaginação na sua sinceridade. Em segundo lugar, a problema com a internação compulsória não é “que esta modalidade de intervenção” esteja “realmente fora do ideal” como você disse; o problema é que ela está somente no ideal, ou seja é completamente ideológica e está, portanto, fora da realidade. Achar que se pode resolver o problema da toxomania por meio da internação é tão ingênuo como querer resolver com a internação o “problema” da obesidade [aliás, cada vez mais em evidência na mídia!].
    Além disso, sinceramente, me parece que é ingênuo achar que os usuários de maconha ou de crack, por exemplo, sejam menos donos de suas vontades do que os gordinhos dependentes de açúcar e de gorduras, que vivem às voltas com receitas de emagrecimento frustradas recorrentemente. Sem falar nos índices de morbi-motalidade que recaem sobre essas pessoas acima do peso, que não conseguem mudar seus hábitos alimentares mesmo sob risco de infarto, complicações diabéticas, cardiopatias, etc… Você acha mesmo que não está em jogo a “capacidade de discernimento e tomada de decisão” nos dois casos?
    Mas o pior de tudo no seu comentário sincero, é que você confunde a toxomania ou o problema da dependência com a prática de crimes, baseando-se no conhecimento empírico de que o crime acontece entre usuários de drogas e moradores de rua. Sinceramente? Tenho certeza que você com sua sinceridade não consegue imaginar o que aconteceria se o açúcar entrasse pra lista das substâncias ilícitas. Eu acredito que nesses casos apareceria o vínculo que na maioria das vezes os usuários de doces e bombons tem com crime…

  3. Coisa boa iniciarmos as conversas por aqui! Inicialmente, agradeço muitíssimo pelas opiniões emitidas. No mundo em que vivemos, falar o que se pensa é sempre um ato de coragem. Eliane, quando me referi à analogia trazida no texto como uma “historinha absurda” foi justamente considerando o estranhamento e o susto que ela poderia causar em alguns leitores e leitoras. E, abusando da minha licença poética, como bem sinalizou Cláudio, ainda termino a “historinha absurda” falando que os próximos a serem recolhidos serão os inteligentes demais. A reflexão que queria provocar é sobre as pessoas e o sentimento de estar fora dos padrões anunciados pelo silêncio barulhento da nossa sociedade. E isso realmente se torna um problema maior quando pensamos que a saúde, os corpos e a vida que buscamos são definidos, muitas vezes, fora da gente; é como se as vozes deste silêncio barulhento fossem tão estridentes que não nos resta alternativa diferente de segui-las. Se não seguimos somos taxados de marginais, doentes, com problemas. É interessante pensar que a maior parte da população usa drogas. E a maior parte das pessoas que usam não tem maiores problemas em função disso. Fazem uso social e recreativo. E, sim, a maior parte das pessoas que usam drogas não cometem crimes! Arrisco-me a dizer que as pessoas que não usam as substâncias nomeadas como droga, fazem sim algo de droga na sua vida. No primeiro texto que publiquei aqui no Reab.me (Um mundo sem drogas?) tentei discutir este conceito de droga. Se pensarmos que a propriedade de ser droga não está na substância e sim na relação que construímos com a substância e com as coisas no mundo, tenho que discordar de Eliane e dizer que acredito mesmo que o açúcar e a comida, de forma geral, podem sim ser drogas potentes e destrutivas para parte das pessoas que as usam. E, pelo raciocínio dos “fora do padrão”, caberia recolher estas pessoas? Acredito que não. A história da reforma psiquiátrica nos mostrou que as medidas de recolhimento e aprisionamento institucional só trouxeram segregação, violação de direitos humanos e muito sofrimento. Neste sentido, a meu ver, a internação compulsória é sim um retrocesso. Mas, continuemos conversando! Que nós consigamos não seguir este mesmo modelo da padronização e do aprisionamento, no campo ideológico… que não precisemos excluir as diferenças de opiniões e posicionamentos dos nossos debates. Que aprendamos com elas! Abraço fraterno a Elaine e a Claudio e a todos os leitores e leitoras do Reab.me!

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