Carta aberta à família de um adulto afásico – Fernanda Papaterra Limongi

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Essa semana tivemos o prazer de receber dois materiais elaborados por Fernanda Papaterra Limongi, fonoaudióloga e autora dos já tão falados aqui Manuais Papaterra.

Este primeiro a ser publicado ¨CARTA ABERTA À FAMÍLIA DE UM ADULTO AFÁSICO¨ aborda a importância da orientação familiar no trabalho com adultos afásicos, dando dicas de como tratar um adulto que apresente tal distúrbio.

Amamos ler o material e esperamos que vocês aproveitem bastante o conteúdo.

Com a palavra… Fernanda Papaterra Limongi

Orientação à Família de um Adulto Afásico

Fernanda Papaterra Limongi

Nunca é demais enfatizar a importância do aconselhamento familiar quando se trabalha com  adultos afásicos.

Em geral, o início repentino e inesperado do problema constitui um verdadeiro choque. Buck (1) considera a afasia “uma catástrofe tanto pessoal quanto familiar.”

O cônjuge, os filhos, os pais, os amigos, podem sentir-se tão perdidos quanto o próprio paciente.

O que aconteceu? Será que ele está entendendo? Como falar com ele? Por que ele “esquece” o nome das coisas? Ele perdeu a memória? Vai voltar a falar? Estas são as perguntas mais freqüentes.

Em primeiro lugar, deve-se explicar o que é afasia, em termos que um leigo possa entender. A seguir, responder às indagações que surgirem:

– Não, o paciente não “esquece” o nome das coisas. O que ocorre é uma inabilidade deste, em lidar com símbolos.

– Não, não é recomendável que se utilize cartilhas (nem qualquer outro material de natureza infantil) para a reabilitação do adulto.

– O papel do terapeuta não é o de um professor.(2) Ele não vai “ensinar” ao paciente sons, palavras e letras, ou regras para a combinação destas. Pelo contrário, ele, vai estimular os processos rompidos.

Depois de todas as perguntas respondidas, devemos nos lembrar que, além de informação e orientação, os familiares necessitam de uma grande dose de apoio e compreensão. Uma oportunidade para expressar seus sentimentos é sempre bem-vinda.

Uma das primeiras publicações visando orientar familiares e amigos de adultos afásicos foi de Betty Horwitz que, em 1962 publicou na Rehabilitation Literature “An Open Letter to the Family of  an Adult with Aphasia”(3). Em 1976, solicitei autorização da autora para adaptar e traduzir este texto para nosso idioma. No decorrer destes anos, fui introduzindo algumas modificações e acrescentando alguns ítens. Faz parte de minha prática atual, entregar à família uma cópia desta carta que transcrevo a seguir, recomendando sua leitura a todos os que cercam o paciente.


CARTA ABERTA À  FAMÍLIA DE UM ADULTO AFÁSICO

“Caros amigos:

Esperamos que esta carta lhes seja útil, no sentido de fornecer informações de como tratar um adulto que apresenta uma perda ou distúrbio de comunicação chamada afasia ou disfasia.  O problema é mais difícil e freqüente  do se possa imaginar.  Anualmente, um número significativo de pessoas sofre um acidente circulatório afetando o  encéfalo, um trauma craniano, ou qualquer processo patológico no cérebro que resulta numa perda de linguagem. Cada caso é único, apresentando diferenças individuais, embora famílias e amigos possam enfrentar problemas similares em suas relações com paciente afásico.

Aconselhamos a todas as famílias, quando possível que obtenham um fonoaudiólogo qualificado, para avaliar e trabalhar com o paciente.

Decorrente de sua afasia, este apresenta um problema em sua capacidade de linguagem que pode afetar sua habilidade para falar, ler, escrever ou compreender.

Se nós considerássemos o cérebro humano como centro de ligações de um telefone, então a situação do paciente poderia ser comparada a alguém tentando falar num telefone com uma ligação defeituosa.  Sua mensagem pode soar distorcida para o ouvinte, ainda que quem fale acredite que esteja sendo claro.  No caso da pessoas cuja maior dificuldade é compreender o quer lhe é dito, a mensagem recebida pelo fone pode estar confusa e consequentemente não fazer sentido.  A perda da comunicação, tanto receptiva quanto emissiva, é devida à lesão causada em certas porções do cérebro que controlam as habilidades da linguagem como ler, escrever, entender, falar ou calcular números.  Quando os cabos de telefone estão interrompidos ou existe lesão em áreas específicas do cérebro a comunicação estará prejudicada.

Um dos aspectos da compreensão da linguagem: leitura, escrita ou fala – está, em geral mais gravemente comprometida que de outros

Todos os graus de intensidade podem existir, desde distúrbios mínimos até a perda total.  Há necessidade de se entender e de ser extremamente hábil nos contatos com a pessoa com distúrbio de comunicação, pois fala, emoções e personalidade estão intimamente correlacionados.  Mesmo quando um fonoaudiólogo está trabalhando diretamente com o paciente, uma grande dose de assistência pode ser fornecida pela família e amigos.  Entretanto, isto requer sabedoria, paciência e força para guiar o paciente neste seu período de ajustamento, pois esta é geralmente uma longa e difícil caminhada.

Oferecemos, então, as seguintes sugestões, para sua consideração e ajuda.

ALGUNS  “FAÇA” E  “NÃO FAÇA”

1-  Comunicação é importante para o paciente, e, embora ele não possa falar, deve manter um mundo social.  Converse com ele, simples e naturalmente.  Encoraje-o a responder, se possível, e quando ele puder.  Isto pode prevenir a tendência natural de se tornar cada vez mais deprimido.  Estimulação direta e tentativas contínuas de comunicação são extremamente importantes para o paciente.

2-  Tente não demonstrar sua inquietude com respeito à fala do paciente, quer seja por palavras ou expressões faciais.

Nunca, em nenhuma circunstância, ponha o paciente em “exibição”  ou force-o a falar.  Observações como “Diga isto para eles verem” aborrecem e embaraçam o paciente.

3- Não insista para que o paciente dê respostas perfeitas, “pronuncie corretamente”  ou “fale direito”.  (Não há nada que o paciente deseje tanto quando poder “falar direito”).  Suas bem intencionadas observações irão certamente tornar o paciente tenso e então tudo se tornará mais difícil.

4- Não fale com o paciente como ele fosse uma criança, ou surdo, ou retardado.  Apenas simplifique sua mensagem.  Trate-o como o adulto que é.

5- Nunca discuta as reações emocionais do paciente e seus problemas em sua presença,

6- Seja natural com o paciente e ajude-o a manter seu status na família, tanto como marido (esposa), quando pai (mãe).

Trate-o da mesma maneira com que você fazia antes da sua doença.

7-A menos que o paciente esteja muito doente ou incapacitado, inclua-o nos assuntos de família.  Consulte-o e faça-o compartilhar da decisões de família, como anteriormente.

Ajude-o a sentir-se a mesma pessoa que era antes de adoecer.

8- Não confunda o paciente com falso otimismo ou palavras como “você ficará bom logo… Você voltará e trabalhará dentro de pouco tempo”.  Se precisar consolá-lo, use expressões como: “Eu sei como é difícil para você” ou “Você tem a palavra na cabeça mas não pode dizê-la”, ou então aponte o progresso que ele tem feito desde início da doença.  Estas observações serão mais eficientes e ajudarão a avaliar os sentimentos de frustração, embaraço e depressão do paciente.

9- Por meio de suas maneiras, paciência e atitude de aceitação, crie um ar de relaxamento para o paciente.

10- Algumas vezes será impossível entender o que o paciente está tentando explicar.  Nestas ocasiões, tente sutilmente mudar o assunto e diga:  “vamos esquecer isto agora e voltar mais tarde.  As palavras provavelmente virão quando você não estiver tentando tanto”.

FALANDO COM O PACIENTE

1- Mantenha quaisquer instruções ou explicações o mais simples possível.  Fala devagar, mas naturalmente.  O paciente pode não ser capaz de compreender uma mensagem comprida e complicada.

2- Faça perguntas diretas que requerem um simples “sim” ou “não” como respostas, em vez daquelas que requerem respostas complexas.

3- Não confunda o paciente com muita conversa inútil ou muita gente falando ao mesmo tempo.

4- Não responda pelo paciente se ele é capaz de fazê-lo sozinho.   Inclua o paciente em conversas sociais.

5- Utilize atividades de rotina para o treino de fala.  A hora de vestir-se e de refeições são boas oportunidades para encorajar tentativas de fala.  Deixe o paciente pedir o que quer. Se ele não consegue, diga-lhe a palavra. Ele pode dizer uma palavra corretamente, algumas vezes, e em outras ocasiões, não conseguir emitir esta mesma palavra.  Este é um comportamento típico do paciente afásico.

SUGESTÕES GERAIS PARA SITUAÇÕES DIÁRIAS

1- Não superproteja o paciente.  Deixe-o fazer o que ele pode fazer.  Ajude-o a adquirir sentimento de independência.

2-  Enfatize as habilidades do paciente, não sua incapacidade, tanto nas áreas de linguagem quanto físicas.  Encoraje o uso do braço não paralisado para escrever, comer e trabalhar.

3- Se o paciente está recebendo serviços de terapeutas ocupacionais ou fisioterapeutas, ouça seus conselhos.  Eles lhe dirão o que o paciente é capaz de fazer por si só e permita que ele o faça também em casa.

4- Tente manter uma rotina diária bem planejada.  Isto dará ao paciente algo a antecipar e fará com que ele se sinta mais seguro.

5- Mantenha sempre o paciente informado do que acontece no mundo e ao seu redor.  Não o deixe perdido no tempo e no espaço.

ATIVIDADES RECREATIVAS

1- Procure diversões para o paciente. Encoraje  “hobbies” para entretê-lo.

2- Se o paciente ter alguma compreensão, encoraje-o a assistir televisão e a ouvir rádio.  Isto ajuda a compreensão do paciente e o faz  ficar em contato com o mundo.

3- Encoraje o seu contato com amigos e familiares.

INFORMAÇÕES A RESPEITO DO PACIENTE

1- Muitos pacientes afásicos exibem algumas características de personalidade peculiares.  Eles se tornam obcecados por determinadas coisas, choram ou riem facilmente, ou tornam-se muito preocupados com pequenos detalhes.  Eles podem apresentar julgamento pobre, ter reduzido poder de concentração e podem tornar-se muito egocêntricos.  Estes problemas podem ser diminuídos quando a condição geral melhora.  Explique as situações para o paciente simplesmente como elas são, reforçando o que você diz, tanto escrevendo quando ilustrando;  enfatize dados mais genéricos e evite detalhes excessivos.  Não revele desgosto, agitação ou ansiedade, para o paciente.

2-  O mais dramático progresso é geralmente notado nos primeiros 6 a 9 meses depois do trauma ou doença, pois há freqüentemente recuperação de algum tecido cerebral originalmente mas não definitivamente envolvido.  Algumas exceções a esta regra podem existir.  Terapia de fala deve ser iniciada o mais cedo possível para evitar depressões e encorajar o paciente.

3- O progresso de um paciente afásico depende de muitos fatores:  a extensão e local da lesão cerebral, idade e personalidade do paciente, motivação, inteligência, capacidade intelectual e outros problemas físicos, sociais e psicológicos. Pacientes que não apresentam muita dificuldade em entender e lembrar linguagem falada, geralmente tem uma maior chance para recuperação, do que os que tem considerável dificuldade nestas áreas.  Fonoaudiólogas farão o possível  para guiar, assistir e apoiar o paciente na longa caminhada para a reabilitação.  Entretanto, o paciente precisa ter a capacidade e o desejo de colaborar com elas para que possa obter algum grau de sucesso.

4- É necessário dizer que, em alguns casos, a fala pode não voltar.  Algumas vezes, é preferível que se interrompa o atendimento terapêutico depois de um período de tentativa, do que fazer o paciente confrontar-se com suas inadequações.

Você então pode ajudar o paciente a manter seu desejo de sobrevivência, encontrando coisas que ele pode fazer e rodeá-lo com quaisquer prazeres restantes e satisfações que ele tem na vida.

Lembre-se que Terapia é um passo importante e vital para o bem-estar geral do paciente.  Entretanto não existem curas mágicas.  Este é um processo longo e complexo e sua ajuda é necessária.  Terapeutas não podem trabalhar sozinhos ou contra propósitos da família e amigos.

Esperando que informações aqui contidas os ajudem a tornar mais fácil esta difícil tarefa que é a de se lidar com um adulto afásico, despedimo-nos colocando-nos a seu inteiro dispor para informações adicionais.”

Referências:

(1) Buck, M., Dysphasia. Englewood Cliffs, N.J.,Prentice-Hall, Inc. 1968.

(2) Schuell, H., Jenkins,J.J. e Jimenez-Pablon, E. Aphasia in Adults, New York: Hoeber, 1964.

(3) Horwitz, B. An Open letter to the family of an Adult with Aphasia”, Rehabilitation Literature, 1962.

7 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom. Lá na clínica estamos atendendo um cliente com afasia (se enquadra na afasia de wernicke)e a sua esposa também está sendo atendida e tem alzheimer…que mistura boa heim!?!

  2. Gostei imensamente de ter lido essa carta. Minha irmã sofreu um aneurisma , tendo entre outras sequelas ,a afasia. Foi esclarescedor. Gostaria de obter outras informaçoes quanto melhor ajudá-la. Ela tem a compreençao linguistica perfeita porém a emissao é deficitaria. A escrita acintece em nivel silabico alfabetico e oreconhecimento- leitura- vez sim vez nao. grata olga

  3. Adorei a matéria, estou pesquisando sobre o assunto pois desejo ajudar uma amiga. Ela teve um aneurisma cerebral seguido de um derrame eu também mais minha sequela é motora e estou trabalhando muito para a minha recuperação. A sequela desta amiga também atingiu a fala e ela desistiu da fonoterapia, desanimou e apesar de estar andando com ajuda de órteses e bengala não se sente segura em andar sozinha pois não consegue se comunicar a mãe é quem cuida dela mas o que me preocupa é que esta já tem idade e cuida da filha como bebe, no caso dela vir a falecer como vai ser? Estou tentando ajudar mas não sou profissional da área e tenho medo de atrapalhar. Gostaria de alguma orientação que possa ajudar. Desde já agradeço pelos esclarecimentos contidos na carta, pelo menos já sei o que não fazer.

  4. sou paraplégico e minha esposa teve um AVC paralisando o lado direito com afasia. Esta hospitalisada com previsão de alta. Gostaria de orientações a respeito. Esta carta aberta me deu informações importantes, está ótima para um leigo como eu.

  5. Grata por compartilhar. Tenho uma Amiga passando por isso no momento e quero apoia-la.Ela e jovem(43) e acredito muito que ira se recuperar. Se tiver bibliografia em portugues para indicar Eu agradeco.

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