Afinal, é a atividade que estimula a criança?

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Atividade é sinônimo de estimulação? Essa dúvida é muito comum na área de reabilitação. Fazer é fundamental, mas só o fazer basta? 

A discussão sobre o processo de fazer uma atividade paira sobre todas as profissões das áreas da saúde e educação, principalmente o questionamento: fazendo uma atividade necessariamente a pessoa estará sendo estimulada? Como qualquer assunto polêmico, é preciso ter ciência para discutir, mas é preciso ter muita cautela também.

Quando uma pessoa realiza uma atividade significativa pela primeira vez ela é colocada frente ao novo, que por sua vez exige um processo de elaboração, entendimento, análise, criação de estratégia e que assim, vai estimular naturalmente o indivíduo a usar de suas habilidades cognitivas. O que não podemos confundir é fazer uma atividade com receber uma terapia.

O Terapeuta, seja ele de qual for sua formação – Fonoaudiólogo, Psicólogo, Terapeuta Ocupacional, Fisioterapeuta ou qualquer outra especialidade – ao pensar em uma atividade precisa enxergá-la como processo e não como a terapia em si. A criatividade terapêutica é aquela que faz o profissional pensar em meios de chegar ao seu objetivo, e este precisa ser moldável, personalizável e prezar muito mais pela elaboração do que apenas a execução.

Culturalmente, estamos acostumados a mensurar aprendizagens ou a aquisição do que podemos chamar de habilidades só com o produto final, ou seja, valorizamos apenas o colocar um suco no copo, por exemplo, e esquecemos todo caminho que a pessoa fez até chegar ali. “Ah, então isto quer dizer que o treino não é necessário e nem mesmo colocar o seu cliente para executar tarefas?” Não, não é nada disso. O fazer é de extrema importância, inclusive para autoestima, já que assim o cliente pode perceber que é capaz e, por motivos mais práticos, ter a referência de como é a execução tendo a possibilidade de planejar melhor meus movimentos e minha estratégia de execução e assim vir a fazer algo que antes parecia impossível. O que precisamos analisar é que nem sempre uma atividade pode ser terapêutica, e mesmo que ela esteja estimulando algo no seu cliente, não necessariamente seja aquilo que ele precisa, ou seja, o que planejou terapeuticamente.

Discutir atividades é muito importante, entendê-las como meio do processo e não como tarefa terapêutica é mais ainda. Ver um mundo de possibilidades naquilo que a ciência da atividade humana nos traz é um dever estratégico de um terapeuta, analisar uma tarefa e ver se cabe ao seu objetivo funcional para seu cliente é mais do que necessário. Aplicar uma atividade com objetivo único para vários clientes é uma estratégia com grandes chances de falha, entender atividade isoladamente como terapêutica é um erro e esperar uma receita de bolo é mais complicado ainda. Se fosse tão simples assim, as famílias copiaram atividades prontas da internet e dispensariam os terapeutas certo? Errado. O que é bom para um criança pode não ser para outra e o que promove aprendizagem para um pode frustrar o outro. Cada criança é única e cada fase do desenvolvimento requer planejamento e objetivos diferentes.

Vamos encarar a atividade de frente, com todo potencial que ela tem, já que ela não pode ser como um exercício isolado na qual te dirão qual movimento fará para ganhar força num lugar específico. A ela deve ser destinada mais estratégia. Vamos resgatar a nossa criatividade terapêutica e parar de acreditar que fazer algo da mesma forma do mesmo jeito é vantajoso, afinal, baseando nas teorias de aprendizagem de Vygostsky: “Mostre-me caminhos diferentes para fazer uma mesma coisa e assim contribuirás para que eu aprenda mais e mais. ”

Por isso na Inclusão Eficiente desenvolvemos o Programa de Intervenção Domiciliar LIFE, que liga contextos escolares, terapêuticos, domiciliares e sociais. Cada criança tem um programa desenvolvido para a sua demanda, com objetivos específicos, para que possam aplicar na vida aquilo que é adquirido como habilidade na escola e nas terapias. Não há um programa igual ao outro, porque os interesses são diferentes, os desafios são diferentes e ainda que ainda que algumas atividades possam ser as mesmas, o modo de fazer o nível de exigência serão outros.

É preciso que nós, enquanto terapeutas, possamos ver os desafios além da escola, da clínica ou dos limites da nossa atuação. É preciso ver a criança integralmente, em seus contextos, para entender e planejar atividades significativas para cada sujeito, pois é isso que uma criança com deficiência ou alteração do desenvolvimento é: um sujeito singular, com demandas singulares. E é por isso que nem o melhor site substitui um bom terapeuta, porque o trabalho de reabilitação não é e nem pode ser uma enciclopédia de atividades. É muito mais desafiador que isso, mas para quem se dedica, o resultado vale a pena!

Autoria:
Régis Nepomuceno, Terapeuta Ocupacional, CREFITO10-11178TO. Diretor da Inclusão Eficiente- Assessoria e Consultoria em Reabilitação e Inclusão.

1 COMENTÁRIO

  1. Lindo texto! Maravilhoso

    Explica bem a tríade terapêutica, sem isso é a atividade pela atividade, sem objetivos e consequentemente sem resultados significativos.

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